Jornal das Onze

"Vós que lê ainda está entre os vivos; mas eu, que escrevo, há muito parti para a região das sombras." - Edgar Allan Poe
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Para cada tarde interminável,

            Minhas manhãs são agradáveis. Deliciosas quando acompanhadas de cheiro de chuva, rápidas como os pingos que caem das nuvens.
            Já minhas noites se estendem com apelo, quando um pensamento não consegue me escapar, quando minha cabeça pende a estourar e talvez eu vá me sufocar com palavras não ditas.
            Porém vocês, tardes vazias, chegam após o almoço, sem me ceder a sesta. Vocês se deitam no sofá e não permitem o tempo passar.
            Não me dão força para fazer o que planejei na manhã.
            Não me descansam para a noite sem fim.
            Só ficam aí. Paradas.
            Com um sorriso cínico.
            Perguntando “e agora?”
            Deixando o sentimento de inutilidade comigo.
“Quem é você?”
Se existia algo que eu odiava mais do que tudo, era essa pergunta. Não a indagada com arrogância e olhar de desprezo, mas a pergunta feita com um sorriso sincero, com um subliminar “O que você faz da vida?” por trás.
Eu odiava essa pergunta.
Talvez porque eu não sabia como responde-la. Não, isso é mentira. Eu odiava essa pergunta porque eu sabia exatamente qual era a resposta, a monótona e repetitiva resposta que era a única que se encaixava em meus lábios.
“Não sou ninguém.” Nenhum humor. Apenas um sorriso franco, acompanhado de um suspiro cansado.
Eu não era ninguém. Eu não sou ninguém. Por isso eu odiava essa pergunta. Ela me enchia com um vazio devorador. Eu queria mentir, dizer que tinha importância. Mas quando a verdade é tão clara e gritante, como posso afoga-la?
“Quem é você?”
Sou a sombra da parede.
“Quem é você?”
Sou aquela pessoa que você não vai perder o tempo de conhecer.
“Quem é você?”
Sou aquela personalidade cujo você irá esquecer por falta da mesma.
“Quem é você?”
Sou tudo aquilo que você é.
“Quem é você?”
Alguém sem defeitos ou qualidades.
“Quem é você?”
Eu sou ninguém. Ninguém importante. Só mais alguém entre tantos ninguéns. Eu sou ninguém que se afoga no mar do próprio anonimato. Eu sou ninguém que não tem nada para destruir e fazer disso uma criação.
Eu não sou ninguém.
Por isso respondi o trabalho que eu tinha, a cor do meu quarto e quantos ônibus eu pegava por dia.

Com um suspiro, sentei-me no banco, deixando todo o peso do mundo esmagar meus ombros.
Um cigarro chamava meu nome, um sussurro amigo prometendo aliviar aquela semana que durara um ano. 
Segurando o maço na mão, permiti que meus dedos corressem pelo plástico que o envolvia, puxando levemente o lacre. Amassando a embalagem, abri a caixinha de papel, deslizando a ponta do dedo sobre cada cigarro, puxando um melancolicamente. Passei a fitar a rua, encostando o cigarro aos lábios e segurando-o entre eles, buscando em meus bolsos por um isqueiro.
- Você não vai fumar isso, vai? - uma voz surgiu do velho que estava ao meu lado, sentado no banco em seu paletó bege, as mãos ossudas envoltas em um cabo de guarda-chuva, embora o dia estivesse sem nuvens. Uma barba rala seguia o contorno de sua mandíbula ainda forte, se encontrando com as costeletas cuidadosamente aparadas, para dar em cabelos grisalhos e finos. Seus olhos estavam escondidos por trás de óculos escuros, a boca era uma linha firme.
Não me dei o trabalho de responder, meus dedos haviam se fechado em torno do pequeno retângulo de metal e já o puxava à superfície. E também, eu não queria que isso iniciasse uma conversa em que ele ficasse falando dos netos ou me enchesse com o vazio que ficara de suas memórias.
- Filho, você não vai fumar isso. Cigarros são para dias tristes na cama, poetas, moribundos e suicidas. Você está aqui fora. Não é poeta, pois se fosse, estaria no bar. - ele tomou uma pausa para recuperar fôlego - Também não é moribundo. Esse banco é mais moribundo que você. E, muito menos, é suicida.
Suspirei. Realmente, preferiria que ele tivesse tirado a carteira e me mostrado foto dos seus netos, ou me envolvido em um momento de nostalgia privada, compartilhando cada acontecimento por trás de cada cicatriz que as rugas de seu rosto escondiam.
- Talvez eu seja um suicida. Talvez eu esteja a caminho de um quarto de hotel agora mesmo para pular do último andar, e eu só tenha parado para um cigarro pois eles cobram muito caro para alugar um cinzeiro.
Uma risada seca veio de meu lado.
- Não aja como se a vida o tivesse tratado mal, rapaz.
Virei-me para ele. Tentei ao máximo não demonstrar expressão, mas acho que meu rosto me traiu, transparecendo a confusão misturada com o clássico "Mas que porra você sabe da minha vida?".
- Você não viu seus amigos morrerem. - foi a vez do velho suspirar. - Um a um, você não perdeu tudo o que amava, tudo o que lhe era querido. - sua voz foi crescendo, uma raiva reprimida cuspia as palavras. - Você não perdeu anos de sua vida em uma cama imunda de hospital, mergulhado em sua própria urina. Você não bebeu tanto que viu Deus diante de si. Você não destruiu a si mesmo e se reconstruiu. Você não criou amores como flores e os assistiu padecerem no jardim.
- Isso porque eu nunca tive amores para plantar. - aquilo estava me cansando. Eu tinha rolado o cigarro para o canto da boca, ainda intacto.
- Então a vida não lhe tratou de modo algum. - ele recostou-se no banco, puxando o guarda-chuva para o colo.
- Acho que é por isso que quero fumar.
- Ah, é? - desdém. Desdém e interesse. E o que incentivava mais alguém a falar do que desdém e interesse?
- A vida não me deu sementes. Nunca me disse onde encontrar sementes. Então eu procurei. Procurei, procurei. Tente criar um jardim, mas sem a semente certa, ele não floresceu. Tente diversos jardins. Diversos substitutos para as sementes. Mas só encontrei cigarros. - não consegui segurar uma risada sarcástica - Pelo menos, encontrei alguma coisa. O que seria de mim se não tivesse encontrado nada?
- O que lhe faz pensar que todos já encontraram as sementes?
- Bem, olhe aquele cara. - eu me apoiei no joelho, apontando para um homem através da Avenida. Ele era alto, usava uma camiseta polo e calças jeans, seu cabelo era raspados dos lados e ele usava óculos espelhados. - E aquela moça. - movi meu dedo para uma mulher parada ao lado de uma arvore, mexendo distraidamente no celular, com o cabelo caindo aos olhos.- E ali. - apontei para outro. - E ali. - para mais outro. - E ali, ali, ali.
O velho apenas assentiu, esperando.
- Se não tivessem encontrado, como eles poderiam ficar... assim? Calmos? Seguindo a vida deles?
Ele riu. Sua mão soltara do guarda-chuva pela primeira vez para repousar no meu ombro.
- Menino. Você... Você se recusa a aceitar que não exista nenhuma semente. Você acredita nelas. Ao mesmo tempo que você não as vê.
Bufei.
- Não existe em minha vida. Já falei. Não encontrei nenhuma.
- Só os cigarros. - completou o velho.
- Só os cigarros. - repeti.
- Não sou jardineiro - disse ele, o que, realmente, é irônico para alguém que estava fazendo alusões a jardinagem há dois segundos atrás. - Mas acho que cigarros não dão belas flores.
- São as flores que eu tenho em meu jardim.
- Então está na hora de mover a terra e fazer um novo jardim. - o tom que ele colocara nessa frase dava a entender que a conversa estava encerrada. Os óculos voltaram a encarar a rua movimentada.
Anui levemente. Com tantos exemplos, por que diabos ele escolhera jardim?
- Sabe o que eu gosto sobre os jardins, rapaz? Não importa o quão refeito ele possa ter sido, se o jardineiro for meticuloso, ele será bonito como jamais foi.
- E como o jardineiro sabe ser meticuloso? - me dei conta de que caíra no jogo dele.
- Aprendendo a diferenciar - sua mão se esticou até minha boca e tirou o cigarro - as sementes. E isso dá tanto trabalho...
- Mas como? Como ele tem certeza que achou a semente certa, depois de escolhe-la entre as outras?
- Só depois de florescer.
Voltei-me lentamente para olhar a rua. Tantos carros passando, tantas pessoas.
- Isso daria um belo roteiro de filme. - sorri, observando-o pelo canto do olho. – Posso até ver. Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor. “Um drama para toda a família”, diria Spielberg.
- Há! – a risada foi seca, sem grassa. Ele tirou os óculos e finalmente vi seus olhos, azuis e opacos, que agora me fitavam com um brilho que não reluzia neles há algum tempo: diversão. - Oscar de Melhor Ator para mim, com certeza. - observou o velho, em tom sério. Não consegui me segurar e explodi em risadas, que ao início eram suaves, mas foram se intensificando, fazendo meu corpo tremer. Ele se rendeu logo de primeira, juntando-se à mim, gargalhando.
Não tinha sido tão engraçado, ambos sabíamos, mas ficamos ali, em meio a uma multidão, rindo de algo que nem nós tínhamos certeza do que era. Estávamos rindo das pessoas e de seus jardins sem sementes. Estávamos rindo de cada flor que murchara e nos entristecera com a falta de sua cor. Estávamos rindo de cada semente estregada que reconhecemos antes de enterra-las na terra. Estávamos rindo das nossas flores que nunca foram plantadas, mas estavam em algum lugar, esperando o momento certo para reconstruir nossos jardins, já tão remexidos, destruídos para então serem feitos novamente.

         Poderia demorar; e iria. Mas só saberíamos quando elas florescessem.


Linha Verde


Dizem que o metrô é onde se pode ver mais diferenças de São Paulo. Esperar o trem acaba se tornando um jogo de descobrir a história de cada um: o homem de barba com o guarda-chuva, a menina de olhos puxados carregando o violão, o rapaz com tatuagens subindo pelo antebraço e garota com a maquiagem borrada e uma mochila pendurada no ombro. Divergências políticas são ignoradas ao sentar-se nos assentos, gostos não compatíveis são deixados de lado ao apoiar-se na porta enquanto a gentileza se torna apenas mais um convenção social. O coração e a coluna vertebral da cidade se entranham nesse submundo de perfis, esse grito mudo, um som agudo, uma cor que brilha tão forte que arde os olhos.
Estampado no rosto as pessoas trazem sua cultura, religião, marcas de idade, traços de lágrimas que já correram rosto abaixo por tristeza e alegria de um amor passado, todos carregam memórias e pensamentos únicos, que são iguais aos da pessoa ao seu lado, e da outra, e da outra... acreditando em sua individualidade bela e inigualável.
Só alguns poucos indivíduos veem que sua própria personalidade não é um belo e único floco de neve, que sua individualidade é ordinária, e um deles é o culpado pelo trem ter se atrasado a chegar na estação Paraíso.

Uma distopia de Aldous Huxley



Sinopse:
"Ano 634 D.F. (depois de Ford). O Estado científico totalitário zela por todos. Nascidos de proveta, os seres humanos (precondicionados) têm comportamentos (preestabelecidos) e ocupam lugares (predeterminados) na sociedade - os alfa no topo da pirâmide, os ípsilons na base. A droga soma é universalmente distribuída em doses convenientes para os usuários. Família, monogamia, privacidade e pensamento criativo constituem crime. Os conceitos de 'pai' e 'mãe' são meramente históricos. Relacionamentos emocionais intensos ou prolongados são proibidos e considerados anormais. A promiscuidade é moralmente obrigatória e a higiene, um valor supremo. Não existe paixão nem religião. Mas Bernard Marx tem uma infelicidade doentia - acalentando um desejo não natural por solidão, não vendo mais graça nos prazeres infinitos da promiscuidade compulsória, Bernard quer se libertar. Uma visita a um dos poucos remanescentes da Reserva Selvagem, onde a vida antiga, imperfeita, subsiste, pode ser um caminho para curá-lo."


No momento que você segura um exemplar de "Admirável Mundo Novo", você consegue sentir o peso de todas as críticas em que Aldous Huxley envolveu seu livro.

O desejo de controle do ser humano aumentou de tal modo que a reprodução se tornou um meio completamente laboratorial, com bebês de proveta já modificados antes de nascerem para se adequar à sua vida, predestinada em um sistema de castas.

Castas: 
  • Alfas, de cor cinza.
  • Betas, amora.
  • Gamas, verde.
  • Deltas, cáqui.
  • Ípsilons, preto.
Eles já são alterados psicologicamente para gostarem de sua respectiva casta e nunca querer alterar sua posição, mesmo alguns sendo tratados de modo tão deplorável, quanto os Ípsilons. Toda noite, eles são submetidos à uma espécie de lavagem cerebral, o que garante a obediência e a baixa procura por algum outro meio de satisfação que não as empregadas tão fortemente no cotidiano.

Outro motivo que chamou muita atenção à obra de Huxley, que foi publicada em 1932, foi o sexo explicito entre todos os membros da sociedade. "Cada um pertence a todos." A educação sexual, chamada de "brincadeira", começa desde cedo, o que pode ser observado através das crianças "brincando" pelos jardins. Se isso ainda causa desconforto em 2014, consegue imaginar em 1932?

Mesmo que sexo seja uma arma muito poderosa para controlar as pessoas, os Alfas também usam de um artificio muito eficaz, também conhecido como "soma". Essa pequena pílula funciona como droga alucinógena, permitindo ao usuário um estado de torpor e extrema felicidade, acompanhado de "flutuação" por dias e dias.
Com relações sexuais constantes e sem mediação por parceiros, mais capsulas do paraíso, por que haveriam eles de se preocupar?

O que mais me choca sobre o livro é a possibilidade de acontecer. Admito que vejo, facilmente, o futuro da humanidade se aproximando da obra de Huxley. Só não tenho certeza se o suposto futuro terá se exaurido da religião assim como no livro, ou se permitirão comunidades selvagens para estudos primitivos do comportamento humano antes da chamada "iluminação".

Citações: 

  • "Porque o nosso mundo não é o mundo de Otelo. Não se pode fazer um calhambeque sem aço, e não se pode fazer uma tragédia sem instabilidade social. O mundo agora é estável. As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca adoecem; não têm medo da morte; vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice, não se acham sobrecarregados de pais e mães; não têm esposas, nem filhos, nem amantes, por quem possam sofrer emoções violentas; são condicionadas de tal modo que praticamente não podem deixar de se portar como devem. E se, por acaso, alguma coisa andar mal, há o soma. Que o senhor atira pela janela em nome da liberdade, Sr. Selvagem. Da liberdade!"

  • "Porque o fato de criticar exaltava nele o sentimento de sua importância, dava-lhe a impressão de ser maior."

  • "Faz-me lembrar outro desses antigos, chamado Bradley. Ele definia a filosofia como a arte de encontrar más razões para aquilo em que se crê por instinto. Como se nós acreditássemos em alguma coisa, seja o que for, por instinto! Cremos nas coisas porque somos condicionados a crer nelas. A arte de encontrar mais razões para aquilo em que se crê por outras más razões, isto é a filosofia. As pessoas crêem em Deus porque foram condicionadas para crer em Deus."

  • "- Preferimos fazer as coisas confortavelmente.
- Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o pecado."
- Em suma - disse Mustafá Mond - o senhor reclama o direito de ser infeliz."

Sobre o autor: 

Aldous Leonard Huxley nasceu em 1894, em Godalming, e morreu em 1963, em Los Angeles. Ele recebeu renome por sua obra mais famosa, a qual essa postagem é sobre, mas também era conhecido por fazer experiências envolvendo drogas, como o LSD.
Uma dessas experiências acabou se tornando o livro "As Portas da Percepção", o qual deu origem ao nome da banda de rock The Doors.

Uma obra de Neil Gaiman

“Era apenas um lago de patos, nos fundos da fazenda. Nada muito grande.Lettie Hempstock dizia que era um oceano, mas eu sabia que isso não fazia o menor sentido. Lettie falou que elas haviam atravessado o oceano até ali, vindas da velha pátria.Sua mãe dizia que Lettie não lembrava direito, e que não tinha sido muito tempo atrás, e, de qualquer maneira, a velha pátria havia afundado.A velha sra. Hempstock, avó de Lettie, argumentava que ambas estavam erradas, e que o lugar que afundara não era a velha pátria de verdade. Ela declara recordar-se bem da velha pátria de verdade.Afirmava que a velha pátria de verdade havia explodido”





Sinopse: 
    "Sussex, Inglaterra. Um homem de meia-idade volta à casa onde passou a infância para um funeral. A construção não é mais a mesma, e ele é atraído para a fazenda no fim da estrada, onde, aos sete anos, conheceu uma garota extraordinária, Lettie Hempstock, que morava com a mãe e a avó. Ele não pensava em Lettie há décadas, mas mesmo assim, ao se sentar à beira do lago (o mesmo a que ela se referia como um oceano) nos fundos da velha casa de fazenda, o passado esquecido volta de repente. E é um passado estranho demais, assustador demais, perigoso demais para ter acontecido de verdade, especialmente com um menino.
     Quarenta anos antes, um homem cometeu suicídio dentro de um carro roubado no fim da estrada que dava na fazenda. Sua morte foi o estopim, com consequências inimagináveis. A escuridão foi despertada, algo estranho e incompreensível para uma criança. E Lettie - com sua magia, amizade e a sabedoria digna de alguém com muito mais de onze anos - prometeu protegê-lo, não importava o que acontecesse.
    Trabalho revolucionário de um mestre da literatura, O oceano no fim do caminho demonstra um raro entendimento daquilo que nos torna humanos, e mostra o poder que as histórias têm de revelar e, ao mesmo tempo, de nos proteger dos perigos dentro e fora de nós. É uma fábula emocionante, assustadora e melancólica. Um convite a repensar a escuridão que espreita as memórias da infância."


Certo, como fã pessoal do autor, eu confeso que meu primeiro pensamento quando vi o livro pela primeira vez foi "Caramba!". Neil Gaiman não escrevia um romance adulto desde 2005, e ver um livro dele nas pratelereias foi uma sensação incrível.

A respeito do romance
em si, acabou se tornando um de meus favoritos. Com uma narrativa instigante, Gaiman narra com olhar adulto os acontecimentos que antes via através de olhos infantis. Coisas que antes ele não notava começavam a fazer sentido. A névoa que encobria as memórias que criou quando era criança retornam com a força de um oceano quando ele próprio retorna à fazenda das Hempstock.

E confesso que fiquei com raiva do Neil Gaiman por ter terminado o livro. Esse sentimento de vazio me encontrou depois d'eu ler a última página e me segue até hoje.




Minhas citações favoritas:
  • "As memórias de infância às vezes são encobertas e obscurecidas pelo que vem depois, como brinquedos antigos esquecidos no fundo do armário abarrotado de um adulto, mas nunca se perdem por completo." 
  •  "Esse é o problema com as coisas vivas. Não duram muito. Gatinhos num dia, gatos velhos no outro. E depois ficam só as lembranças. E as lembranças desvanecem e se confundem, viram borrões..." 
  • "Crianças pequenas acham que são deuses, ou pelo menos algumas acreditam nisso e só ficam satisfeitas quando o resto do mundo concorda com o seu jeito de ver as coisas."
  • "Adultos seguem caminhos. Crianças exploram. Os adultos ficam satisfeitos por seguir o mesmo trajeto, centenas de vezes, ou milhares; talvez nunca lhes ocorra pisar fora desses caminhos, rastejar por baixo dos rododendros, encontrar os vãos entre as cercas." 
  • "Eu adorava mitos. Não eram histórias para adultos e não eram histórias para crianças. Eram melhores que isso. Simplesmente eram."    
  • "Um dos pássaros vorazes baixou o bico afiado até o chão a seus pés e começou a abrir buracos - não como uma criatura que come terra e grama, mas como se comesse uma cortina ou um cenário em que estivesse pintado o mundo. No lugar em que a criatura devorava a grama, nada restava - um nada perfeito, só uma cor que lembrava o cinza, mas um cinza amorfo, pulsante, como o chuvisco de estática da nossa televisão quando se tirava o cabo de antena e a imagem desaparecia por completo. Esse era o vazio. Não a escuridão, não o nada. Isso era o que havia por baixo da cortina transparente e tenuamente pintada da realidade."
  • "- Nada nunca é igual - respondeu ela. - Seja um segundo mais tarde ou cem anos depois. Tudo está sempre se agitando e se revolvendo. E as pessoas mudam tanto quanto os oceanos." 
  • "Já é difícil o bastante estar vivo, tentando sobreviver no mundo e encontrar o seu lugar nele, fazer as coisas de que se precisa para seguir em frente, sem se perguntar se aquilo que você acabou de fazer, o que quer que tenha sido, foi o suficiente para a pessoa que, se não morrera, desistira da própria vida. Não era justo." 
  • "Uma história só é relevante, suponho, na medida em que as pessoas na história mudam." 
  • "Não importa se eu não consigo me lembrar mais dos detalhes: a morte aconteceu com ela. A morte acontece com todos nós."